quarta-feira, 7 de abril de 2010

Trecho do livro "PESSOAS COMO NÓS" Margarida Rebelo Pinto





- Como é que uma mulher tão grande fica tão pequena deitada na cama? Perguntou.

Sabes, querido, é que antes de ti, houve outros homens que amei muito e perdi. Quando me deito á noite, tenho medo do que já sofri, tenho medo que o meu passado volte em sonhos para me atormentar, enrolo-me até ficar quase invisível, para que os monstros não me encontrem.

...

Quando me encontraste, tantos anos depois das tragédias, as marcas do dilúvio ainda não tinham sido apagadas e os estragos estavam à vista. Por isso chorei tantas noites, por isso adormeci exausta, por isso nunca queria sair à noite, porque nunca descansei em toda a minha vida, a não ser quando fizeste parte dela.

Falta-me a inspiração dos teus ombros sobre o meu corpo, a segurança do cheiro da tua pele, a tua cara a dormir na almofada ao meu lado, tranqüilo e belo como um querubim. Faltam-me o teu tempo e a tua respiração. Falta-me a tua mão na minha, quando ando na rua. E o teu olhar a envolver-me como um manto e o teu coração a bater ao mesmo tempo que o meu.

Fazes-me falta meu amor. E a falta que me fazes não se resgata nas palavras, nas esperas, na conjugação estóica do verbo aceitar. Eu sei que tudo o que te digo cai por terra, que a minha espera é inútil, que nunca saberei conjugar o verbo, que tudo muda, mas é sobretudo o que menos desejo ou mais temo.

Mesmo assim, quem sabe amanhã, quando te telefonar e estiver contigo de coração fora do peito, a confessar-te como me sinto, sem pensar no que vais me responder, talvez esse meu gesto espontâneo e raro contenha a chave da liberdade. Porque só é livre quem abraça o mundo sem reservas, mesmo que fique pendurado por um fio entre a vida e a morte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário